Uma família desejando por em prática o evangelho estudado no dia anterior resolveu ir buscar em um orfanato da cidade uma menino para passar a noite com eles.
E assim fizeram.
Pedrinho era bem comportado, havia passado de ano e foi o escolhido.
O menino maltrapilho ganhou um banho quente e roupas novas.
Seu cabelo só ficou assentado com gumex, estava acostumado a estar solto a favor do vento.
Sentia-se o pequeno muito deslocado, mas, à mesa esqueceu-se da vergonha e se pôs a comer com furor tudo aquilo que nunca havia comido em sua vida, como sua mãe dizia: era fome atrasada.
Dormiu em seguida, pois tinha a barriga cheia, a cama era macia e perfumada e ele não sentia frio.
Dormiu abraçado com o presente que lhe deram.
Mas, quando raiou o dia pegou suas velhas roupas e voltou à sua realidade.
E aquela instituição nunca mais foi a mesma, ele antes nunca havia notado, ela era fria; não havia calor humano; divertimentos; alegrias presentes; faltava comida e a que tinha não era boa.
O carrinho que ele ganhou num instante seus colegas destruíram, não por mal.
Então, o encantamento do dia se desfez neste momento.
Pedrinho ficou furioso, brigou com todo mundo, de machucar mesmo.
Porém, foi severamente castigado, indo para a cama sem jantar e sem assistir nenhum programa na TV preto e branco.
Mas, que importava, na TV só passava tudo aquilo que ele não podia ter, aliás, dava uma vontade danada de comer aquelas coisas que apareciam e depois vinha aquele grude no jantar e a gente tinha que engolir, quer saber? - Muito obrigado! falou ele repetindo duas vezes: - Muito obrigado!....
Foi para cama muito decepcionado. Fazia muito frio e um ventinho gelado passava por baixo da fina coberta e entrava pelos furos de sua meia..
Seus pés só não congelaram porque seu sangue subia fervendo pela suas veias e Pedrinho chorou muito, pensou demoradamente em toda a sua vida, desde o seu nascimento, o abandono de seus pais, toda a sua privação, o regime quase militar que havia no orfanato, com horário para tudo, aquele rigor e sem afeto.
Lembrou-se então da noite de natal junto àquela família, será que tudo aquilo era de verdade? Existia a felicidade? Porque ele não nasceu filho daqueles pais? Então aquele sonho que ele viveu naquele dia trouxe muita revolta, porque ele acordou para aquilo que não tinha e que dificilmente um dia teria, pensava.
A sua realidade era outra.
O menino passou o dia pensando e olhando para o vazio. E, assim pensou e pensou:
- Aqui dentro deste orfanato eu nunca terei nada. Preciso sair e buscar lá fora aquilo que eu quero.
E assim arrumou o pouco que tinha numa velha mochila e fugiu da instituição, correndo para não ser seguido inicialmente e depois para fugir da policia, porque era preto, porque era pobre, porque era revoltado e porque era suspeito, porque preto e pobre é suspeito.
Como não tivesse para onde ir foi para debaixo de um viaduto. Mas, para sua surpresa ele não estava só, lá encontrou vários meninos da sua idade.
Caixotes arrumados num canto, sofás furados, panelas penduradas nos pilares, cadeiras sem pernas, roupas em cima de uma velha cêrca, muito lixo espalhado pelo chão, lembravam de longe um lar. E como cheirava mal!
Fora o lixo, urina e fezes também perfumavam e completavam a paisagem.
Mas, parece que aqueles meninos não se incomodavam, nem estavam tristes, pelo contrário pareciam até alegres e também tinham um ar de poder, falavam de uma maneira diferente e cheiravam alguma coisa que até o momento ele desconhecia.
Ele foi até bem recebido, apesar do “Careca” deixar bem claro quem mandava ali:
- Hoje nos te damos, amanhã será sua vez de nos dar!... Disse o Careca para o novato.
Naquele grupo ninguém tinha nome, só apelido, o seu será “Careta”, OK? Falou Careca.
Pedrinho, por falta de opção, ou curiosidade foi ficando e, logo se enturmou e com medo de fazer desfeita para os meninos resolveu entrar na deles e aceitou cheirar aquela coisa.
Primeiro sentiu uma euforia muito grande, esquecendo-se de todos seus problemas, até a fome passou, o frio também, mas , Pedrinho sentiu-se muito mal depois de alguns minutos, seu coração acelerou e ele pensou que fosse morrer.
Quando voltou a si, viu que a turma se divertia muito ‘do “Careta” iniciante.
Pedrinho entrou em um estado de depressão muito grande, quis fugir, mas desistiu após olhar para o trabuco que estava enfiado na cintura do careca..
- Agora é sua vez! Disse o Careca tendo escolhido o Pedrinho como “laranja “para execução do que estavam tramando.
- Olha cara você só tem que ficar do lado direito do semáforo próximo com uma mão dentro da camisa, abordar o motorista do primeiro carro da fila e pedir dez pilas.
Antes de tomar coragem Pedrinho ficou alguns minutos sentado na calçada olhando o movimento das pessoas andando apressadas pelas ruas e pensou:
- Porque as pessoas têm tanta pressa? Para onde será que estão indo? O que será que fazem? O que pensam da vida? Como será bom ter para onde ir. Como é bom ter um caminho a seguir. Uma família, comida na mesa, um banho! Ah! Um banho!!!!!
Ele estava com o olhar tão longe que até levou um susto quando careca assobiou.
E diante de um olhar repreensivo do Careca que o observava de longe, Pedrinho se preparou para executar o plano e assim que o semáforo se fechou novamente e parou um veículo, ele se aproximou com a mão debaixo da camisa para abordar o motorista que, para seu espanto o recebeu com um sorriso e cumprimentando-o perguntou:
- Pedrinho!!!!! O que faz por aqui?
O menino se desconcertou. Como era mesmo seu nome? Seu Josias, isso mesmo!!!!
Envergonhado se lembrou da noite de natal, sim, ele tinha passado a noite de natal com a família daquele senhor. E, como havia sido feliz.
Pedrinho abaixou a cabeça deixando rolar algumas lágrimas pelo rosto e nada respondeu.
O semáforo deu sinal verde.
- Entre vamos logo, eu te levo de volta ao orfanato, disse Seu Josias.
Rapidamente o menino tomou o assento do carro.
Pedrinho lembrou-se então do velho orfanato que afinal comparado com aquela vida debaixo do viaduto não era de todo mal.
É, às vezes a gente pensa que uma situação está ruim e não tem consciência de que ela pode ficar pior.
Durante o caminho os dois tiveram uma longa e sincera conversa.
Seu Josias não sabia de pronto o que fazer pelo Pedrinho, mas prometeu que algo faria por ele.
No dia seguinte, Seu Josias foi ter com o Pedrinho logo pela manhã e o encontrou um tanto “abatido”, é que ele havia passado por "uma corrigenda", conforme explicou o dono daquela Instituição.
Tiveram seu Josias e o Pedrinho outra longa conversa:
- O que você espera da vida Pedrinho? Perguntou o senhor.
Pedrinho, então, desfilou uma série de intermináveis sonhos.
- Vamos com calma, para se realizar sonhos é preciso planeja-los e programa-los primeiro
E o bom homem continuou:
- Primeiro, você disse que gostaria de ter um computador, então, você vai entrar num curso para aprende
tudo sobre computação e quando terminar o segundo grau vai trabalhar comigo. Eu ainda vou supervisionar
seus estudos e te dar uma mesadinha.
Pedrinho não se cabia de contente. Agora ele tinha um padrinho. Não era mais um abandonado na vida; ia ser alguém.
O tempo foi passando e Pedrinho foi se dedicando aos estudos e se esforçando na computação.
Seu Josias foi convidado a participar de sua formatura na escola.
Chegou assim o dia em que o menino foi trabalhar com seu Josias e agora recebia até salário.
No fim do mês, com seu primeiro salário, Pedrinho comprou algumas roupas e abriu uma conta no banco.
Ao final de dois anos, quando completou 18 anos se mudou do orfanato para uma pequena casinha alugada.
No dia das crianças, resolveu fazer uma visita ao seu antigo lar, e ele havia comprado umas balas para levar.
Ao chegar à porta foi recebido com uma grande fatia de bolo de chocolate que ficou grudada
em seu paletó.
É que as crianças já haviam se fartado de bolo e agora estavam atirando o que havia sobrado uma nas outras, pois neste dia, parece que toda a cidade se lembrava delas, que ficavam esquecidas no resto do ano.. E havia bolo por todo lado.
Saindo de lá Pedrinho sentou em um banco da praça e pensou.... pensou... Mas, agora mais amadurecido e consciente:
- Meu Deus, eu fui tão feliz, tive uma oportunidade, acordei para varias realidades que existem no mundo, e as crianças abandonadas, o que será delas? Que futuro terão aqueles meninos que moravam debaixo daquele viaduto, o que foi feito deles?
De certo alguns até já morreram, ou foram presos, ou ainda estão lá passando fome e frio, sendo manipulados por adultos sem escrúpulos, sofrendo violações em seus direitos.
Já faz muito tempo que o Pedrinho está procurando respostas e soluções e não as encontra.
Agora ele tem um site na internet onde ele mostra várias reportagens comoventes alertando as pessoas sobre o problema do menor..
Solicita também sugestões. Você tem alguma?
Iride Eid Rossini
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